'Rocky Horror Picture Show' faz 50 anos num mundo ainda careta para seu criador

'Rocky Horror Picture Show' faz 50 anos num mundo ainda careta para seu criador

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não sonhe, seja. Richard O’Brien levou esta, que é a grande mensagem de sua obra mais conhecida, muito a sério. Transformou um pequeno musical “trash”, de baixo orçamento e profundamente pessoal, num dos maiores fenômenos da história do teatro e do cinema.

Assim, o espírito de “The Rocky Horror Picture Show” continua tão vivo quanto em 1975. Prestes a soprar as velinhas de 50 anos, nesta quinta-feira, 14 de agosto, o filme há mais tempo em cartaz na história e que ajudou a definir o conceito de cult foi muito além do que sonhou em ser.

A canção “Don’t Dream It, Be It” é prova de que não houve qualquer delírio de grandeza em sua concepção -o refrão foi pego emprestado dos anúncios que uma famosa loja de lingeries fazia nos jornais. Assim, “The Rocky Horror Picture Show” se tornou um monstro de Frankenstein, costurado a partir do que era pop na época e dos gostos pessoais de O’Brien.

“Quando estreamos a peça, ainda em 1973, achávamos que teríamos três semanas de diversão e depois cada um seguiria o seu caminho. A intenção sempre foi essa, tocar rock and roll, fazer algumas piadas e divertir as pessoas. Ninguém via futuro naquilo, era apenas uma peça boba de entretenimento”, diz O’Brien, hoje com 83 anos, da casa onde mora na Nova Zelândia.

“Mas nesses 50 anos a peça e o filme se tornaram dos mais bem-sucedidos já produzidos. Foi um feliz acidente de percurso. Às vezes, quando você quer que algo seja importante, quando você aspira à grandeza, você faz concessões e mudanças pensando em agradar aos outros. Mas o segredo da arte é, antes de qualquer coisa, criar algo que dê prazer a si mesmo.”

Entre as coisas que davam prazer a O’Brien, então um ator de teatro de 30 anos, estava a efervescência disruptiva de musicais que faziam sucesso em Londres e Nova York -ele cita “Hair” e “Jesus Cristo Superstar”, nos quais atuou- e peculiaridades como filmes de terror de baixo orçamento e literatura de ficção barata, que carregava na bagagem da adolescência.

Junte a isso a ebulição social que tomou a virada dos anos 1960 para os 1970 -a segunda onda do feminismo, a Revolta de Stonewall e a revolução sexual- e você tem “The Rocky Horror Show”. A peça, encenada originalmente em Londres, caiu nas graças de artistas como Mick Jagger e David Bowie, foi à Broadway e em apenas dois anos virou “The Rocky Horror Picture Show”, com a adição de “picture” sinalizando que a versão, agora, era para os cinemas.

Apesar do fracasso nas bilheterias, o filme voltou aos cinemas um ano depois, ocupando o horário da sessão da meia-noite. De forma orgânica, começava uma febre, com jovens indo às salas dezenas de vezes, vestindo fantasias e interagindo com o que os personagens diziam.

A experiência do “shadow cast” -sessões em que um elenco performa as cenas em frente à tela, como num show de drag queens- se tornou comum e hoje vários cinemas, principalmente nos Estados Unidos, programam ao menos uma sessão de “The Rocky Horror Picture Show” ao mês.

“Muita gente, especialmente em cidades mais conservadoras, encontraram um local seguro nessas sessões”, diz Linus O’Brien, que tinha apenas quatro anos quando viu a montagem original da peça escrita, musicada e estrelada pelo pai, que interpretava o mordomo Riff Raff. Ele dirige o documentário “Strange Journey: The Story of Rocky Horror”, sem previsão de estreia no Brasil e parte da celebração dos 50 anos, que inclui também uma remasterização do filme.

“Mas o fato de ‘Rocky’ ainda ser tão relevante é um pouco triste, de certa forma. O normal seria o filme ter se transformado numa relíquia, um retrato de um tempo em que as pessoas se incomodavam com um homem usando salto alto, mas suas mensagens ainda são importantes no mundo de hoje.”

Com sua mensagem de liberdade sexual, “The Rocky Horror Picture Show” também aproveitou o mantra das lingeries de “Don’t Dream It, Be It” para apresentar os mocinhos da história, Brad e Janet. Um casal careta e heteronormativo, eles são alvo de risadas ao mostrar suas roupas íntimas, que não economizavam no tecido.

Ao longo da trama, os protagonistas interpretados por Barry Bostwick e Susan Sarandon descobrem um mundo em que a carne é celebrada -mesmo que às vezes esteja coberta por paetê, meia arrastão e corselet. Um mundo tingido de rosa, como cantam já no final, depois de descobrirem que sexo não é só papai e mamãe.

Tudo graças a Frank-N-Furter, “uma doce travesti vinda de Transexual, Transilvânia”, como canta Tim Curry ao apresentar a personagem, uma espécie de cientista maluco alheio às discussões de identidade de gênero de hoje.

Seu objetivo, além de destruir a fantasia de comercial de margarina de Brad e Janet, é construir Rocky, um brinquedo sexual com vida, músculos, pele bronzeada e cabelos loiros. Tudo acompanhado por músicas esquisitas, numa trama sobre invasão alienígena e criaturas da noite que, no fundo, quer falar de desejo, sexo e livre-arbítrio, mesmo que de forma atrapalhada.

“A força de ‘Rocky’ é justamente o fato de não querer pregar para ninguém. É um musical totalmente inofensivo e alegre, concebido por um homem de 30 anos que o escreveu como um garoto de 13. Meu pai nunca teve a pretensão de mandar uma mensagem ou de ser levado a sério”, diz Linus.

Mesmo que sua intenção não tivesse sido libertar o público de suas amarras conservadoras e preconceitos, Richard O’Brien hoje lamenta que o mundo continue careta, talvez até mais do que na época em que criou “The Rocky Horror Picture Show”.

“É lindo saber que o filme virou um santuário para tanta gente, que foi responsável por criar amizades e fazer com que as pessoas se sintam seguras”, afirma ele, emendando um comentário sobre o contexto político atual. “É uma insanidade termos um Donald Trump solto por aí, termos essa idiotice do movimento Maga, que é assustador”, continua, em referência ao movimento de extrema direita americano.

“Eu não entendo por quê não podemos ser gentis uns com os outros. O Trump é uma desgraça para a humanidade, um pedaço de merda laranja e inútil. E ele sabe disso, sempre soube, e por isso quer pôr todo mundo para baixo, para se sentir poderoso. E meu amigo Stephen Fry [apresentador britânico] disse o mesmo sobre Bolsonaro, que ele é a pessoa mais feia e maldosa que já conheceu, um nojo de ser humano.”

Mesmo que o clima atual não seja de comemoração para O’Brien, ele ainda pretende estourar uma garrafa de espumante neste aniversário de 50 anos de “The Rocky Horror Picture Show”. “Apesar dessa gente toda e do mundo em que vivemos, o filme segue popular. E segue popular justamente porque temos que manter a bandeira do arco-íris voando alto.”

THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW

– Onde Disponível no Disney+
– Classificação 14 anos
– Elenco Tim Curry, Susan Sarandon e Richard O’Brien
– Produção Reino Unido, EUA, 1975
– Direção Jim Sharman

Fonte: Notícias ao Minuto

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