A denúncia do influenciador digital Felca sobre o aumento de conteúdos de pedofilia e exploração infantil nas redes sociais acendeu o alerta para a gravidade dos crimes virtuais contra menores de idade e ganhou repercussão nacional. Em entrevista ao Grupo Liberal, a delegada Lua Figueiredo, titular da Divisão de Combate a Crimes Contra Grupos Vulneráveis Praticados por Meios Cibernéticos (DCCV) da Polícia Civil, detalhou como criminosos utilizam as plataformas para atrair e abusar da imagem de crianças e adolescentes, além de ações da PC para coibir esses casos.
Nos últimos anos, a delegada avalia que os crimes praticados contra crianças e adolescentes na internet têm sido cada vez mais frequentes. “Isso porque, ao mesmo tempo em que as crianças estão mais na internet, estão utilizando mais redes sociais, os criminosos também estão. O criminoso também vai se aproveitar da presença massiva de crianças na internet. Existem pesquisas que demonstram que, no Brasil, o uso da internet por crianças começa aos 9 anos de idade, mais de 90% das crianças têm acesso cada vez mais cedo”, afirma.
Somente de janeiro a julho deste ano, no Pará, a delegada informou que já foram realizadas nove prisões relacionadas a crimes contra crianças e adolescentes na internet, sendo 13 operações policiais deflagradas pela PC neste mesmo período. “Nestas ações, houve cumprimento de mandado de busca e apreensão, em que equipamentos que continham imagens de violação sexual de crianças e adolescentes foram apreendidos. Ou seja, tirando de circulação esse material [criminoso]”, pontua.
“Dentre os crimes nesse mundo virtual, há o aliciamento infantil, que acontece não só no meio online, mas ele é facilitado porque o criminoso está na internet se passando por uma criança ou um adolescente, às vezes. Há o próprio abuso sexual que acontece por meio virtual também. O abusador consegue fotos e informações pessoais, porque a vítima acaba confiando. E a partir daí, o criminoso começa a fazer chantagens e ameaças pedindo dinheiro para não divulgar esses dados, ou seja, pedindo mais fotos, mais vídeos, vídeo chamada, que se configurar, assim, o estupro de vulnerável por meio virtual”, pontua Lua.
No entanto, essa prática na internet também vai muito além e pode ser observada de diversas formas, como alerta a delegada. “Há também o armazenamento e aquisição de conteúdo de abuso sexual infantil, que são criminosos que eles adquirem, trocam, vendem, e divulgam fotos e vídeos de crianças e adolescentes em situações sexuais. Tudo isso voltado para fins primordialmente sexuais e cria uma verdadeira rede de troca desses arquivos, que foi mostrado no vídeo do Felca”, acrescenta a delegada.
A delegada também pontua, ainda, que no ambiente virtual, os crimes podem ser observados nos mais diversos sites e plataformas. Não há uma predominância maior de uma determinada rede social ou aplicativo, por exemplo, mas os criminosos estão presentes onde as vítimas estão — geralmente em plataformas ou jogos on-line que possuem um chat para trocas de mensagens.
Linguagens secretas
Com perfis falsos, esses criminosos se aproveitam da fragilidade das vítimas. O perfil dos agressores, segundo a delegada Lua Figueiredo, geralmente é de homens. “Eles usam contas falsas com elementos de que a criança ou o adolescente mais gosta. Se for em um jogo online, por exemplo, podem oferecer créditos no jogo. Se for no Instagram ou no TikTok, observam as preferências da criança: as bandas que segue, os desenhos que assiste. E, assim, vão ganhando a confiança”, explica.
Esses agressores também utilizam uma linguagem própria para se comunicar, com símbolos e termos aparentemente inofensivos. “Às vezes, são coisas comuns: um emoji de redemoinho, uma fatia de pizza ou uma bola de futebol americano. Também usam palavras como ‘menino’, ‘menina’, ‘boy’ ou ‘girl’”. No caso do emoji de pizza, a delegada explica que há um significado oculto. “Em inglês, pizza é usada como referência a cheese pizza, que remete à sigla ‘CP’, de child pornography, ou pornografia infantil. Esses códigos são enviados de criminoso para criminoso para identificar que ambos atuam nessa prática e para trocar conteúdos ilegais”, pontua.
A delegada alerta que é essencial orientar os jovens: “As crianças precisam entender que não podem confiar naquilo que veem na internet. Qualquer criminoso pode criar uma conta e se passar por outra pessoa. Eles vão sempre explorar as preferências e o comportamento da criança. É importante destacar que, no Brasil, a idade mínima para usar uma rede social é de 13 anos”.
Titular da DCCV fala sobre a atuação da PC (Foto: Gabriel Pires | Especial para O Liberal)
Penalidades
As penalidades para crimes contra crianças e adolescentes variam conforme o delito. A produção de imagens ou conteúdos de violência sexual infantil, por exemplo, prevê pena de 4 a 8 anos de prisão. Já o armazenamento desse material pode resultar em pena de 1 a 4 anos. A troca, distribuição ou divulgação, por qualquer meio, é punida com reclusão de 3 a 6 anos. No caso de estupro de vulnerável, quando a vítima é menor de idade, a pena pode variar de 8 a 15 anos de prisão. “As punições mudam de acordo com o crime, mas todas são graves”, reforça a delegada.
Algoritmos
Outra situação destacada pelo youtuber Felca é a “adultização” nas redes sociais. No vídeo, ele utiliza a expressão “algoritmo P” para denunciar a forma como os algoritmos das plataformas podem ser manipulados ou induzidos a recomendar e disseminar conteúdos que incentivam a adultização de crianças. Ele relata que, quando o sistema detecta interesse de usuários por vídeos de crianças em contextos sugestivos, passa a exibir cada vez mais esse tipo de material, alimentando um ciclo nocivo.
“Hoje, o objetivo da rede social não é mostrar fotos e conteúdos aleatoriamente. Mas sim que fique o maior tempo possível e que se consuma mais conteúdo. O algoritmo é feito para isso. O feed é infinito, vamos rolando infinitamente e a rede social vai sugerir não aquilo que está mais próximo de você, mas sim aquilo que você mais tem tendência de gostar, de dar o like, ele vai entender suas preferências, vai entender tudo sobre você. E se isso é complexo para um adulto, que já tem ali a sua formação, imagine para uma criança que está começando a vida e não entende o que pode ser perigoso”, explica a delegada.
Regulamentação das redes
Para a delegada, é necessária a regulamentação das redes sociais e até mesmo especificamente dos algoritmos que podem ajudar a frear casos desses crimes. “Existem projetos de lei, inclusive, que propõem regular esse tipo de algoritmo para crianças e adolescentes e que limitam, também, o que as redes sociais podem apresentar para essas crianças e adolescentes. A nossa legislação ainda carece de mecanismos de controle em relação às plataformas de redes sociais”.
“Inclusive, estive analisando um projeto de lei, o PL 2.682/2022, que está para aprovação na Câmara. É super relevante e ajudaria muito o trabalho policial, tanto na prevenção quanto na repressão. O texto trata da proibição do uso de certos algoritmos por crianças e adolescentes sem autorização dos pais. Também aborda a comunicação por parte dessas plataformas, prevendo a obrigatoriedade de informar à polícia quando detectarem esse tipo de conteúdo, troca ou comportamento voltado a crimes contra crianças e adolescentes. Hoje, não existe essa obrigatoriedade nem a responsabilização dessas plataformas pela circulação desse material”, comenta Lua Figueiredo.
Atuação da polícia
Para coibir esses crimes na internet, a delegada titular da DCCV destaca que a Polícia Civil do Pará atua tanto na prevenção quanto na repressão aos crimes quando as autoridades policiais recebem uma denúncia. “Há um trabalho de prevenção por meio de palestras em escolas, a partir de conversas com integrantes da rede de proteção: a Polícia, Ministério Público, poder judiciário, a sociedade geral, além do Conselho Tutelar e assistentes sociais. Também participamos de formação para esses profissionais”, detalha Lua.
“E, além disso, o trabalho de investigação que é feito pela Polícia Civil, tanto através de denúncias quanto em parcerias com outros mecanismos e outras instituições, como a Polícia Federal. A PF também tem um papel e atuação em casos que envolvem [crimes] estrangeiros, em sites assim abertos na web. A Polícia Civil do Pará realiza operações policiais para localizar esses criminosos. Algumas plataformas também recebem denúncias e encaminham para as autoridades”, observa a titular da DCCV.
Prevenção
Já no âmbito familiar, um dos mecanismos para coibir esses casos é o diálogo entre pais e filhos sobre as atividades realizadas na internet, aliado à fiscalização dos conteúdos acessados. Também é importante restringir determinados materiais e liberar o uso das redes sociais apenas a partir da idade recomendada, que é de 16 anos. “E caso haja algum crime, qualquer pessoa pode realizar a denúncia nas delegacias de polícia, também por meio do Disque Denúncia, pelo 181 e no disque 100. E também na unidade da Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos”, recomenda.
Com Informações: O Liberal