MOSCOU, None (FOLHAPRESS) – Com a disparada na demanda por energia pelo emprego generalizado da IA (inteligência artificial), a matriz nuclear precisará ser renovada com novas tecnologias para evitar um apagão em sua produção. O urânio, matéria-prima das usinas atuais, deve acabar até 2090.
A avaliação foi feita nesta quinta-feira (25) pelo presidente russo, Vladimir Putin, que celebrou em Moscou os 80 anos da indústria nuclear de seu país com a abertura da Semana Atômica Mundial.
O evento é organizado pela Rosatom, a estatal russa que é a principal empresa do setor no mundo, dominando áreas como a do enriquecimento de urânio, com 36% do mercado em 2024, ano em que teve receita equivalente a R$ 222 bilhões.
Tanto é assim que, apesar de uma decisão americana de tentar parar de comprar o produto russo, até aqui a corporação foi poupada de maiores impactos de sanções devido à Guerra da Ucrânia, iniciada em 2022. Hoje ela alimenta a maior parte das usinas nucleares americanas, e opera ou constrói unidades em sete países além da Rússia.
“O público começou a ver a energia nuclear como algo positivo do ponto de vista ambiental”, disse Putin ao lado de aliados como o ditador belarusso, Aleksandr Lukachenko, e o vice-presidente do Irã, Mohammad Esmail.
Mas o evento está longe de ser um convescote restrito. Estavam representados à mesa países em que a Rosatom tem empreendimentos, como a Turquia, membro da aliança militar anti-Rússia, a Otan. O diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), o argentino Rafael Grossi, participou da abertura cobrindo os russos de elogios.
Houve insinuações de política apenas na fala do iraniano, que criticou os EUA por coibir o programa nuclear de seu país -Donald Trump bombardeou, ao lado de Israel, instalações atômicas dos persas em julho para evitar que os aiatolás buscassem a bomba.
“Eles não querem que tenhamos um programa”, afirmou Esmail. “Nosso programa é transparente”, disse, numa assertiva com a qual Grossi não concorda -suas críticas aos iranianos o tornaram um cúmplice da guerra ao olhos de Teerã. Putin havia falado genericamente em refutar o “colonialismo tecnológico”, sem contudo ser incisivo.
“Os Brics hoje são líderes no campo da energia nuclear”, afirmou a sul-africana Elsie Pule, da Plataforma Nuclear Brics, que envolve autoridades do setor no grupo fundado por Brasil, Rússia, China e Índia, hoje expandido.
Em sua fala, o russo lembrou que as big techs estão elevando exponencialmente suas encomendas de energia de origem nuclear, dada a necessidade de grandes quantidades de eletricidade para rodar cada vez maiores complexos de computadores que fazem evoluir as ferramentas de IA.
Para ele, o mundo vive uma “revolução tecnológica” e a Rússia, como uma das líderes do mercado, irá apresentar sua solução para evitar o tal apagão nuclear. Ele disse que até 2030 o país terá desenvolvido um novo tipo de reator nuclear que permite aproveitar de forma constante até 95% do urânio empregado.
Hoje, nas usinas russas cerca de 30% do urânio pode ser reprocessado após ser exaurido nos reatores. Ele disse que, sem isso, em 2090 haverá o fim das reservas conhecidas do minério mundo. A AIEA, em estudo de 2024, falava em 2080.
Seja como for, é um cenário factível e a tecnologia precisará evoluir. “Há alta demanda por energia verde, limpa, de baixo carbono”, disse o russo. “Vamos responder à questão do lixo radioativo”, afirmou, em referência a um dos principais pontos a que ambientalistas se apegam na crítica à matriz nuclear.
Os russos têm investido em reatores nucleares do tipo Tokamak, que usam eletromagnetismo para uma fusão nuclear contida em um sistema fechado. A Rosatom tem várias unidades, e uma delas fica na universidade da empresa em Moscou.
“Em resumo, o reator emula o que acontece no coração de uma estrela”, disse o diretor do projeto, Stepan Krat, a um grupo de jornalistas na quarta (24). É como uma bomba nuclear controlada para gerar energia direcionada, que gera desconfiança acerca de sua viabilidade apesar dos testes em curso.
Por evidente, há também o risco de acidentes, com os casos de Three Miles Island (EUA, 1979), Tchernóbil (União Soviética, 1986) e Fukushima (Japão, 2011) sempre voltando à mente. “A aberração de dizer que ‘se é nuclear, é proibido’ acabou”, afirmou Grossi.
Ele lembrou que em junho o Banco Mundial derrubou o veto ao financiamento a usinas nucleares, em particular os novos reatores de menor dimensão. No Brasil, onde apenas 1,2% da eletricidade vem das plantas de Angra dos Reis (RJ), há um interesse renovado no tema -apesar de apenas o setor privado estar presente.
“Somos uma empresa que está buscando a evolução energética”, diz o presidente do conselho da Diamante Energia, Jorge Nemr, que também está em Moscou. A empresa está associada à Rosatom em um projeto de microrreatores nucleares de R$ 60 milhões, e os russos querem entrar no mercado brasileiro com unidades flutuantes.
“A Rússia é pioneira nisso, é algo muito interessante para países em desenvolvimento”, disse Grossi. “A energia nuclear não é mais a energia do futuro. É do presente”. Hoje, cerca de 9% da eletricidade global vem do átomo, ante um pico de 17% em 1996.
Fonte: Notícias ao Minuto