(FOLHAPRESS) – Menos de uma semana após o fim da COP30, o Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira (27), 52 dos 63 vetos do presidente Lula (PT) à lei de licenciamento ambiental. O resultado é mais uma derrota para o governo no embate com o Legislativo.
Na Câmara, foram 268 votos para derrubar 24 vetos e 190 para mantê-los. No Senado, o placar foi de 50 a 18 pela derrubada. A sessão reuniu as duas Casas de forma conjunta. Um dos votos contrários na Câmara, porém, o de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), foi posteriormente anulado, já que ele está no exterior.
Outros 28 vetos analisados de forma separada, a pedido do PT e do PSOL, também foram derrubados -295 a 167 na Câmara e 52 a 15 no Senado.
O texto da lei de licenciamento ambiental flexibiliza etapas e amplia autorizações automáticas para obras e empreendimentos no país. Defensores afirmam que a lei simplifica o licenciamento, enquanto, para críticos, ela fragiliza a proteção ambiental -tem sido chamada de “PL da Devastação” por ambientalistas. A bancada ruralista é a principal fiadora da proposta.
O presidente da República tem o direito de vetar total ou parcialmente projetos aprovados pelo Legislativo. O Congresso, porém, pode rejeitar os vetos e fazer os projetos vigorarem da forma como foram aprovados.
O licenciamento é uma análise dos possíveis impactos ambientais para empreendimentos como obras, exploração de petróleo e minérios. As mudanças previstas podem impulsionar atividades de risco, como a mineração, obras de infraestrutura, do Novo PAC e a BR-319, e enxugam instrumentos de consulta a comunidades afetadas por estes empreendimentos.
A lei cria instrumentos como a Licença Ambiental Especial (a chamada LAE), que permite ao governo classificar projetos considerados estratégicos para uma análise simplificada, mesmo com potencial alto de impacto.
Cria ainda a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa avaliação individualizada para atividades de pequeno e médio porte. A proposta também isentaria setores inteiros do licenciamento, como áreas do agronegócio e saneamento, reduziria a participação de comunidades afetadas e limitaria a proteção de territórios indígenas e quilombolas apenas aos já homologados ou titulados.
Em agosto, Lula vetou 63 pontos da lei. Na quarta-feira (26), véspera da votação, o governo divulgou uma nota elencando os objetivos dos vetos, entre eles “proteger o meio ambiente em todos os biomas, bem como a saúde da população brasileira”.
“O Governo do Brasil agiu dessa forma considerando o preocupante cenário de desastres climáticos extremos, que impõem riscos às famílias, à economia e ao meio ambiente. A eventual derrubada dos vetos pode trazer efeitos imediatos e
de difícil reversão”, diz o texto.
Há ainda sete vetos à lei de licenciamento que não foram apreciados nesta sessão e que tratam da LAE, patrocinada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). O adiamento foi acordado entre governo e oposição, já que a LAE também está em análise em uma medida provisória em tramitação.
A medida foi, inclusive, editada pelo governo em agosto como forma de atender parte das reivindicações do Congresso, em uma espécie de contrapartida aos vetos. Na ocasião, o governo também apresentou um novo projeto de lei para rediscutir os pontos mais sensíveis do licenciamento.
A LAE permite ao governo federal escolher projetos, por meio de um conselho político, que passam a ter prioridade no processo de licenciamento. O modelo pode acelerar projetos considerados estratégicos, como a exploração da Foz do Amazonas, autorizada em outubro.
A derrota do governo nesta quinta é mais um reflexo da atual crise entre o Palácio do Planalto e a cúpula da Câmara e do Senado. Na quarta, tanto Hugo Motta (Republicanos-PB) quanto Alcolumbre faltaram ao ato de sanção da isenção do Imposto de Renda, explicitando o desgaste político.
Como revelou a Folha, o presidente da Câmara rompeu relações com o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), o que agravou a tensão na relação com o governo e ameaça a agenda do Executivo. Já Alcolumbre foi contrariado por Lula na escolha de Jorge Messias para o STF (Supremo Tribunal Federal), o que já desencadeou retaliações, como a aprovação de uma pauta-bomba no Senado.
A crise com a cúpula do Legislativo deu força para parlamentares que já vinham pressionando pela rejeição dos vetos.
Na sessão, Alcolumbre fez um discurso para se defender de críticas que disse ter recebido por ter pautado a análise dos vetos e negou que se trate de retaliação ao governo.
“Deliberar sobre vetos presidenciais é parte essencial do processo legislativo. Qualquer tentativa de transformar isso em disputa política desconsidera o papel institucional do Congresso Nacional. A votação desse veto não é um gesto político isolado, é uma necessidade institucional”, disse.
Ainda segundo Alcolumbre, a análise dos vetos era necessária antes da votação das outras propostas que tratam de licenciamento. “Votar esse veto é fundamental para destravarmos o tema do licenciamento ambiental como um todo, estabilizando o marco legal, dando previsibilidade jurídica e permitindo que o Congresso avance nas demais matérias.”
A avaliação do governo é a de que a derrubada dos vetos logo após a COP é especialmente prejudicial. Na leitura dos governistas, o Planalto buscou ceder e atender ao Congresso em relação ao licenciamento ambiental, pois, apesar dos vetos, ofereceu uma medida provisória e um novo projeto sobre o tema.
“Da parte do governo, nós consideramos lamentável a derrubada desses vetos, que enfraquece a legislação ambiental brasileira. Vulnerabiliza os nossos ecossistemas, sobretudo a mata atlântica. O governo vai continuar persistindo sobretudo nos temas constitucionais, que sejam preservados conforme o que foi vetado pelo presidente, se for o caso até recorrendo à Justiça”, disse o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).
Agora, os governistas apostam na pressão da sociedade contra o resultado e não descartam que haja judicialização também por parte de entidades da sociedade civil.
A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) afirmou, nas redes, que a derrubada dos vetos “contradiz o esforço ambiental e climatico do governo que acaba de realizar a COP 30”.
No plenário, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que a derrubada dos vetos vai levar à judicialização, além de “expor o Brasil à vergonha internacional”. Já o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), comemorou a “lavada” tomada pelo governo, em suas palavras.
Um dos principais pontos defendidos pelo Congresso era o de que o projeto dava maior autonomia para que órgãos ambientais de estados e municípios pudessem criar suas regras de licenciamento. No entanto, especialistas consideram que o texto criava insegurança jurídica ao permitir regras concorrentes entre os diferentes entes federativos.
A lei ainda permite a emissão da licença mesmo para empreendedores com o CAR (Cadastro Ambiental Rural) pendente. Dispositivos do texto ainda revogam trechos da Lei da Mata Atlântica e beneficiam empreendimentos na região Norte.
A legislação também restringe as áreas protegidas que devem ser consideradas na análise ambiental apenas às Terras Indígenas homologadas (fase final da demarcação) e Territórios Quilombolas titulados (oficializados), excluindo processos de regularização em andamento.
Porém, quando julgou o Código Florestal, em 2018, a maioria do STF decidiu “declarar a inconstitucionalidade” de um dispositivo que criava exatamente esta mesma limitação.
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