Era uma vez, na França do século XIX, um grupo muito respeitável de homens que decidiu enfrentar uma ameaça inaceitável: o sol. Isso mesmo, o astro-rei, fonte de luz gratuita e imparcial, estava arruinando os negócios dos fabricantes de vela. Diante disso, eles redigiram uma carta ao parlamento — a famosa Petição dos Fabricantes de Velas, de Frédéric Bastiat — pedindo que se impedisse a entrada da luz solar nas casas, tapando janelas, frestas e claraboias. Afinal, como competir com tamanha deslealdade?
Corta para Belém, abril de 2025. Os rodoviários fazem greve. Protestam contra o fim dos cobradores, que serão substituídos por tecnologia de pagamento digital, via aplicativo. A modernização chegou com suas promessas: ônibus mais ágeis, motoristas menos sobrecarregados, passageiros sem a tortura do troco e da fila. Mas há um problema: o progresso, novamente, não pediu licença.
É compreensível o receio de quem vê seu ofício ameaçado. Mas também é inevitável reconhecer que o mundo gira — e com ele, as engrenagens da inovação. Dizer que acabar com o dinheiro vivo no ônibus é um ataque à dignidade do trabalho soa tão lógico quanto exigir que se apague o sol para salvar a indústria das velas.
Sim, é desconfortável mudar. O cocheiro também deve ter se incomodado quando os primeiros automóveis engasgaram pelas ruas de Paris. O datilógrafo tremeu ao ver o primeiro computador. E agora, o cobrador vê um aplicativo e sente que seu tempo talvez tenha passado. Mas não é culpa do aplicativo — é só a história andando pra frente.
Que bom que Belém começa a andar junto com outras cidades que já modernizaram seus sistemas. O papel do Estado é garantir que as pessoas se qualifiquem, se adaptem, não que fiquem presas à função de apertar botões que a tecnologia já aprendeu a apertar sozinha.
Aos que hoje protestam contra o aplicativo, deixo minha solidariedade… e uma vela. Afinal, pode ser que amanhã peçam para apagar os postes da cidade. Pelo bem da tradição, claro.
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Com Informações: Para Web News