A oferta de restaurantes não para de aumentar. Desafio é chamar a atenção dos clientes com um diferencial. E um deles tem sido a chamada cozinha afetiva, culinária afetiva ou cardápio afetivo.
No mercado, entende-se por cozinha afetiva o que pretende remeter o cliente a uma sensação de comida gostosa, que misture as memórias dos chefs com suas experiências gastronômicas, começando pelo que comeram com suas mães, avós e tias. Esses pratos são construídos a partir experiências vividas pelos chefs e pretendem tocar o coração e o estômago de quem come.
Uma pioneira nesse segmento é a chef Renata Vanzetto que criou o restaurante Muquifo, inspirado nas comidas criadas por sua avó Cida. “A maioria dos pratos foi criada por memórias das receitas da avó”, diz Renata. “Sem dúvida a ‘Batata da Vó Cida’ é um grande sucesso do Muquifo e uma receita 100% original da minha avó”, completa a chef e empresária do Grupo Vanzetto.
Um dos objetivos de Renata é fazer com que os clientes relembrem momentos da infância, e vivam um momento nostálgico. Abaixo, a receita da “Batata da Vó Cida”, que leva creme de leite, manteiga, caldo industrializado e acompanha bife à milanesa empanado com panko.
Para completar a proposta, a afetividade deve estar em todo o cardápio. É assim que pensam as donas do Gaia Cozinha Afetiva, de São Paulo, Emily Assis e Júlia Aragão. “Acreditamos que cozinhar é um ato de amor e demonstração de carinho. A cozinha está sempre presente em momentos bons como em confraternizações, datas festivas, reuniões familiares ou amistosas, gerando alegria, mas também está presente em momentos ruins, como quando estamos doentes, ou tristes, gerando sensação de acolhimento, de quentinho no coração”, diz Júlia.
No Gaia, só entram produtos sazonais, alimentos de pequenos produtores e de produção artesanal. As chefs indicam a quiche de ratatouille como seu prato mais afetivo: “Porque é o primeiro prato que cozinhamos juntas e uma receita que sempre fiz desde criança como forma de carinho para as pessoas a minha volta”, declara Júlia.
O crítico gastronômico Ian Oliver esclarece que a culinária afetiva se propõe acessar afetos do cliente e não deve ser criada a partir da afetividade dos chefs. “Afinal, toda criação de cardápio deve vir da memória afetiva dos chefs. Isso é culinária ou gastronomia basicamente”, diz ele. “Mas é impossível garantir que vai tocar a memória do cliente. Todos os clientes são diferentes entre si.”
Oliver alerta que, no Brasil, o termo “culinária afetiva” tem sido amplamente usado para esconder erros de cardápio e execução, porque afinal remente tudo para uma cozinha sem compromisso dos tempos de mães, avós e tias. “É uma comida mais cara, que se valora pelas emoções e não pela execução.”
A premiada chef Manu Buffara também uma adepta da culinária afetiva. “A criação dos meus menus reflete quem sou, de onde venho e minhas experiências. Ele é construído a partir de memórias e carinhos, trazendo cada prato como uma história única, inspirada em minhas vivências”, afirma a chef Manoella “Manu” Buffara, de Curitiba, eleita a melhor chef feminina da América Latina em 2022 pelo 50 Best.
“Os meus pratos são uma expressão da minha identidade e das minhas raízes, conectando as pessoas à terra e às suas histórias por meio da comida”, afirma Manu, que também está no ranking mundial The Best Chef Awards, na lista dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina (ambos em 2022) e é jurada fixa desde 2019 do Basque Culinary Center.
Para ela, criar pratos é criar uma conexão emocional com quem os consome. “Cozinhar com afetividade significa honrar a terra, a família, a cultura e as tradições. É uma forma de contar histórias, de compartilhar memórias e de celebrar a vida. Quando crio meus pratos, compartilhando um pedaço de mim mesma, da minha história, da minha terra. É um convite para que as pessoas sintam o cuidado, o respeito e o amor que coloco em cada prato”, afirma a chef.
“Quero que minha cozinha seja um lugar onde as histórias sejam contadas, onde as memórias sejam revividas e onde o amor possa ser sentido em cada mordida.”, finalizou.
O prato mais afetivo da chef é a couve-flor com amendoim e maracujá (receita abaixo), que está no cardápio desde 2014. “Este prato exemplifica a beleza e a delicadeza da couve-flor. Nesta receita, a acidez do maracujá se une ao uamami da couve-flor cozida de uma maneira única, complementada pela adição do amendoim”, disse Manu. Para ela, o amendoim dá um toque especial e autêntico ao prato.
RECEITAS AFETIVAS
Batata da Vó Cida, do Muquifo
Ingredientes:
2,500g batata inglesa
1 litro de creme de leite
35g caldo de carne
100 g manteiga
Instruções:
Para o preparo da batata você irá descascar a batata e cortar em rodelas na grossura de um dedo. Em seguida adicionar a batata em água quente com sal a gosto na água. O cozimento estará pronto quando as rodelas estiverem macias al dente. Escorrer as batas e reservar em uma forma.
Já para o creme você precisará derreter a manteiga. Tire a panela do fogo e adicione o caldo de carne rapidamente adicionando as caixas de creme de leite, mexendo sem parar até que o creme esteja completamente liso. Adicione o creme por cima das batatas na forma e leve ao forno em 180g de 15 a 20 minutos para gratinar.
Couve-flor, maracujá, amendoim e bottarga
Porções: 4
Para a couve-flor
Ingredientes:
50 g de manteiga
1 pequena couve-flor orgânica
150 mL de água
Instruções:
Aqueça a manteiga, adicione a couve-flor inteira, grelhe todas as partes e despeje a água. Cubra com uma tampa de panela e deixe cozinhar completamente. Por 18 minutos (use uma panela que caiba a couve-flor inteira). No meio do cozimento, coloque mais água se necessário. Deixe esfriar e faça porções (uma flor por pessoa).
Para o leite frito
Parte 1
Ingredientes:
300 g de manteiga
150 g de couve-flor cortada em pedaços
200 g de leite integral
110 g de maracujá (suco e sementes)
Instruções:
Faça uma manteiga de couve-flor. Leve a manteiga para ferver e adicione a couve-flor. Deixe cozinhar em temperatura baixa por uma hora. Ralo. Leve a manteiga de couve-flor (185 g) para ferver novamente (use uma frigideira “alta”) e frite o leite (vai sair). Adicione o maracujá, bata por 5 minutos e deixe descansar.
Parte 2
Ingredientes:
100 g de manteiga noisette
120 g de leite integral
50 g de creme de leite
Instruções:
Leve a manteiga noisette para ferver. Frite o leite e o creme de leite (como na parte 1) Deixe ferver por 3 minutos. Misture até ficar homogêneo. Agora, acrescente a mistura de maracujá e bata novamente por 10 minutos até homogeneizar.
Para a espuma de amendoim
Ingredientes:
300 g de amendoim (descascado e levemente torrado)
350 g de leite integral
200 g de creme de leite
50 g de vinagre de arroz
1 pitada de sal
Instruções:
Misture o amendoim com o leite até obter uma pasta homogênea. Passe por um tamis. Leve esta mistura para ferver levemente e adicione o creme de leite. Retire do fogo e acrescente o vinagre de arroz e o sal. Bata com a batedeira, passe novamente por um tamis e coloque em um sifão com duas cargas. Deixe esfriar por duas horas na geladeira.
Montagem:
Em uma panela, aqueça o líquido da couve-flor, acrescente a couve-flor e grelhe. Em uma tigela, coloque o leite de maracujá e acrescente a couve-flor pelo meio. Cubra com o líquido da couve-flor. Coloque a espuma de amendoim ao lado da couve-flor e finalize com 3 lâminas de bottarga.
Quiche de ratattouille, do Gaia Cozinha Afetiva
Ingredientes:
Massa da quiche
240g de farinha
100g de manteiga ou margarina (temperatura ambiente)
1 ovo
Uma pitada de sal
Instruções
Juntar todos os ingredientes até a massa ficar uniforme. Colocar em uma assadeira e moldar nos fundos e nas laterais. Assar por 10 a 15 minutos no forno a 180°.
Ratattouille
Ingredientes:
1 berinjela
1 abobrinha
4 tomates
2 cebolas
2 pimentões (da cor de preferência)
200g de molho de tomate}
2 dentes de alho triturados
1 ramo de alecrim
Fio de azeite
Sal e pimenta do reino a gosto
Instruções:
Em uma assadeira, colocar o molho de tomate e um fio fino de azeite e reservar. Cortar os legumes em rodelas e dispor na assadeira alternando cada um. Finalizar com sal, o alho laminado e um ramo de alecrim. Cobrir a assadeira e assar com papel filme por cerca de 20 a 25 minutos. Retirar o papel alumínio e assar mais 10 minutos para dourar.
Quando pronto, deixar esfriar e moldar na massa de quiche. Esquentar conforme a sua escolha.
Informações R7