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Em Belém, presidente da Embrapa fala sobre desafio de levar tecnologia aos pequenos produtores

Em entrevista exclusiva ao Grupo Liberal, a primeira presidente mulher da Embrapa, Silvia Massruhá, falou sobre sua trajetória de 35 anos na empresa e o pioneirismo na aplicação de tecnologias da informação na agricultura, enfatizou a importância da inclusão socioprodutiva na Amazônia e abordou desafios específicos para a região, como a necessidade de conectividade e capacitação dos produtores locais. Massruhá também mencionou a importância da COP 30 em Belém para apresentar os avanços da ciência e tecnologia na região e as oportunidades de aumentar a produção e preservação simultaneamente através de sistemas agroflorestais e outras práticas sustentáveis.

O que significa, pela primeira vez, a Embrapa ter uma presidente mulher? 

Bem, para mim é uma honra muito grande, mas também traz uma responsabilidade enorme. Este ano, a Embrapa completou 51 anos; eu completei 35 anos de empresa, 15 de gestão de uma unidade de pesquisa e um ano de presidência. Foi um reconhecimento da minha trajetória e uma oportunidade para trazer um pouco do que a gente trabalhou em gestão, nesses 35 anos, para a empresa como um todo. Pra mim, também é muito disruptivo, porque eu sou da área de tecnologia. Fui uma das pioneiras a trabalhar com a temática da tecnologia de informação e comunicação aplicada à agricultura; meu doutorado, que terminei há mais de 20 anos, é na área de Inteligência Artificial. Eu já discuti como essa tecnologia seria importante no futuro e, hoje, esse futuro já chegou, tendo a oportunidade, cada vez mais, de usar essas novas tecnologias para agregar valor nos sistemas de produção. Trazer essa tônica para toda empresa, para mim, é uma grande oportunidade. 

O que significa inclusão socioprodutiva para os povos da Amazônia?

Na Amazônia, a gente tem muita oportunidade de trabalhar com a inclusão socioprodutiva. Na nova gestão da Embrapa, a gente trouxe algumas premissas: primeiro, a questão da sustentabilidade nas três dimensões — ambiental, econômica e social. É produção de alimentos saudáveis, pensando na sustentabilidade nessas três dimensões. O segundo ponto é a questão da inclusão socioprodutiva: mostrar ao pequeno e médio produtor, às comunidades tradicionais, às comunidades indígenas, aos produtores agrícolas de forma geral, como a gente pode aplicar práticas mais sustentáveis e usar as novas tecnologias pra reduzir custo, melhorar a gestão da propriedade, da produção e, até mesmo, trazer um selo de sustentabilidade. Nós temos por volta de 5 milhões de produtores rurais no Brasil; 10% são grandes produtores. E a gente tem uma faixa de 3 milhões de produtores, com quem a gente pode trabalhar, mais de perto, essa inclusão socioprodutiva e a inclusão digital. Hoje, cada vez mais, a transformação digital está chegando a todos os setores da economia e, na agricultura, não é diferente. A gente tem que capacitar esses produtores rurais, para eles entenderem como essas tecnologias podem ajudar a melhorar renda e a qualidade de vida deles. Esse é o grande desafio que nós temos no nosso país.

E na Amazônia?

O que a gente tem percebido é que ao longo desses 85 anos de pesquisa agropecuária na Amazônia, a gente hoje tem um legado muito grande de sistemas agroflorestais, de dar oportunidade para os pequenos produtores ganharem escala, trabalharem em formato de associação, de cooperativas. A gente visitou Tomé-Açu no dia 23 de junho, e eu tive oportunidade de ver desde a produção no campo, até a chegada à agroindústria, agregando valor e gerando renda para o produtor rural. E aqui, na Amazônia, a gente tem muita oportunidade de trazer mais essas novas tecnologias, medir as informações que a gente gerou em 50 anos do sistemas agroflorestais para mostrar ao mundo todo que é possível produzir e preservar ao mesmo tempo. 

Um estudo do ano passado, da Embrapa, disse que 750 mil famílias da Amazônia podem ser beneficiadas com a bioeconomia inclusiva. Como a união entre os saberes científicos e os saberes tradicionais da Amazônia podem beneficiar as famílias daqui?

Hoje, o mundo todo está de olho na Amazônia querendo entender como funcionam esses saberes tradicionais, como que se pode aproveitar isso na produção de alimentos, na produção de biocombustíveis, na área farmacêutica, na área de cosméticos. E hoje, na pesquisa que a Embrapa desenvolveu com parceiros aqui na Amazônia, a gente tem muito desses conhecimentos e tem trabalhado também com essas comunidades. A gente precisa utilizar mais isso, pra agregar mais valor dentro dos sistemas de produção e os produtores entenderem como que eles podem utilizar melhor esses saberes, a biodiversidade, para agregar valor e melhorar a renda de maneira sustentável, sem derrubar nenhuma árvore.




Silvia Massruhá é a primeira presidente mulher da Embrapa e está no cargo desde 2023 (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

Vamos falar agora sobre o aumento da temperatura nas florestas. Quais medidas a Embrapa está tomando para enfrentar as mudanças climáticas e qual o papel da Amazônia nesse contexto?

Há mais de 10 anos, a Embrapa já se preocupa muito com essa questão das mudanças climáticas. É um dos temas que temos um comitê dentro da Embrapa e um modelo de portfólio, além dos 43 centros de pesquisa. A gente tem trabalhado desde a genética genômica aplicada a mudanças climáticas, identificando genes resistentes a estresse hídrico, vamos dizer assim, “antes da porteira” com essa prospecção. “Dentro da porteira”, do plantio à colheita, a gente tem trabalhado muito com a simulação de cenários futuros. Com esse aumento de temperatura, o que vai acontecer na dinâmica da agricultura brasileira? E aqui na Amazônia, a gente viu, recentemente, uma seca que teve aqui na Amazônia, o quanto isso influenciou a produção e a produtividade, e a gente tem trabalhado usando esses modelos climáticos e com tecnologias não só para mitigação das mudanças climáticas, mas também para adaptação a essas mudanças. Elas estão aí e nós temos que adaptar nossos sistemas para melhorar a nossa produção e produtividade de maneira sustentável.

Como você vê a agricultura 4.0 no contexto da Amazônia, com seus desafios de comunicação?

É um grande desafio, e a Embrapa está preocupada com isso porque, cada vez mais, como eu falei, a transformação digital está chegando nos vários setores da economia, e na agricultura também. E principalmente para os pequenos e médios produtores, se a gente não trouxer as novas tecnologias, vai separá-los ainda mais dos grandes produtores. Para trazer as novas tecnologias, a gente precisa de conectividade e capacitação também. A Embrapa tem um projeto, hoje, para criar 10 pilotos no Brasil todo e, aqui na Amazônia, a gente vai gerar um piloto discutindo esses desafios. Em Breves, a gente vai estar trabalhando com esse piloto para discutir quais são os desafios de conectividade, da inclusão digital pro pequeno e médio produtor e de capacitação. Tem sido bem interessante e a gente já tem feito com a associação de produtores de café no setor de hortifruticultura. Você levanta as necessidades com eles. Por exemplo: certificação é uma necessidade. Se é algo que já está no mercado, você pode trazer startups, empresas para desenvolver aquele ecossistema. Se é algo que envolve pesquisa, vem para a Embrapa e para as universidades parceiras. E aí a gente trabalha com a capacitação daqueles pequenos e médios produtores para que eles possam entender melhor como usar essas tecnologias para melhorar a sua produção e produtividade.  

Como essas novas tecnologias, como a Inteligência Artificial, podem ajudar na manutenção da floresta em pé?

A gente lançou recentemente na Embrapa Acre o Netflora: a partir de imagens capturadas por drone, usa Inteligência Artificial pra fazer um inventário florestal. E a gente conseguiu uma redução de custo de R$ 26 por hectare para R$ 1 por hectare. É algo 20 vezes mais barato usando a tecnologia. Com o inventário tradicional, a gente conseguia mapear 10 mil hectares por ano; e hoje, o potencial é de 1 milhão por ano. A tecnologia vem pra ajudar a melhorar tanto o monitoramento do uso e cobertura da terra, mas também melhorar os sistemas de produção e a produtividade. Quando eu falo de sustentabilidade, eu tenho que trazer índices e métricas para medi-la. De novo, eu preciso de dados, informações, das novas tecnologias, da parte de Inteligência Artificial. Outro desafio que a gente tem é a transição nutricional. Hoje, o consumidor está muito mais preocupado com nutrição, saúde, origem dos alimentos. Aliada à sustentabilidade, a gente tem que trazer rastreabilidade, transparência do processo de produção. A gente tem aí uma oportunidade de trazer ferramentas como blockchain, internet das coisas e IA. É uma temática que é do mundo da tecnologia, mas que precisa cada vez mais ser empregada nos sistemas de produção e trazer, até mesmo, selo de sustentabilidade. No Brasil, e aqui na Amazônia também, tem um potencial muito grande de você ter duas safras na mesma área com os sistemas agroflorestais. Isso é muito típico, a gente vê aí açaí com cupuaçu, com dendê, com cacau. É uma oportunidade. A gente vem discutindo a oportunidade do dendê, do óleo de palma também na produção de biocombustíveis, que é uma outra discussão nessa questão da transição energética e a inclusão socioprodutiva também, porque aqui na Amazônia é uma oportunidade de você trabalhar com todo esse ecossistema envolvendo grandes e pequenos produtores, envolvendo as cooperativas e trabalhar mais essa produção para chegar na agroindústria e gerar mais emprego e oportunidade, e melhorar a qualidade de vida das pessoas na Amazônia. 

Esse projeto que começou no Acre, tem previsão de chegar ao Pará?

Sim, lá no Acre foram feitos alguns testes. Agora, nossa ideia é trazer, nesse piloto que a gente vai fazer em Breves, no Marajó, essa tecnologia para testar e ser validada aqui também em Belém. Nossa primeira visita ao local onde será o piloto, em Breves, está prevista para outubro e, a partir dali, a gente vai fazer um planejamento para aplicar essa nova tecnologia aqui no Pará. 


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Massruhá pontuou que as novas tecnologias devem ajudar os pequenos e médios produtores rurais a otimizarem suas lógicas de produtividade (Foto: Ivan Duarte | O Liberal)

Você citou o açaí e, há 85 anos, muitas pessoas não podiam imaginar a potência que o açaí se tornaria. Como as instituições de pesquisa, como a Embrapa, podem acompanhar a dinâmica de evolução agropecuária e antecipar desafios futuros?

Realmente, o açaí é uma grande oportunidade para a Amazônia e para o mundo todo. A gente tem visto a demanda só aumentando e precisa melhorar essa produção em escala. A gente precisa trabalhar com a inclusão socioprodutiva para organizar melhor esses atores, para que os pequenos produtores se associem, como associação ou em cooperativas, para que eles ganhem escala. Ontem, estive em Tomé-Açu e tive a oportunidade de ver também a produção do campo chegando à agroindústria. Ali, a gente teve a oportunidade de ver a cooperativa C.A.M.T.A [Cooperativa Agrícola de Tomé-Açu] de como trazer esse açaí e agregar valor nele para produzir polpa de frutas, sorvete, para o mundo todo. Então, eu acho que, cada vez mais, tem que ser divulgado e capacitar os pequenos produtores. A gente conversou com vários produtores maiores, que têm experiência na produção de açaí integrado com cacau, sobre como eles podem aproveitar e gerar renda com esses dois tipos de culturas. Então, a gente tem que trazer isso mais, ter um centro de treinamento onde a gente possa divulgar mais essas tecnologias. Eu vejo que a gente tem uma oportunidade muito grande na COP 30, que vai ser em Belém no próximo ano.

Quais são as oportunidades que a COP 30 traz para a ciência e tecnologia locais?

A gente pode trazer todo esse conhecimento, todas essas tecnologias e montar uma vitrine tecnológica para mostrar ao mundo inteiro esse trabalho que a gente vem desenvolvendo há mais de 80 anos aqui na Amazônia, mostrando a importância da ciência e tecnologia. Se a gente está aqui hoje comemorando os 85 anos da pesquisa agropecuária na Amazônia, hoje, a gente está colhendo frutos dessa pesquisa que iniciou lá atrás. E a gente só consegue ser protagonista na agricultura, agropecuária, bioeconomia e sustentabilidade mundial graças a esse investimento que teve em ciência e tecnologia. A gente precisa cada vez mais investir em ciência e tecnologia, em política pública, assistência técnica, extensão rural e capacitação para esses produtores.

De forma pragmática, o que a Embrapa tem a apresentar para a nossa região amazônica?

Na Amazônia Legal, a Embrapa tem nove unidades de pesquisa. Tem um estudo interessante de um colega nosso que mostra que, nos últimos 25 anos, trabalhando aqui na Amazônia com pecuária de corte e leite, o consórcio entre forrageiras e leguminosas gerou verdadeiras biofábricas aqui e teve uma redução de 36% de emissão de gases de efeito estufa. Outros estudos, como do sistema agroflorestal, mostram a importância disso na questão da preservação e restauração do meio ambiente. Também temos demonstrações a partir desses vários modelos de sistemas agroflorestais que são trabalhados nessas várias unidades da Embrapa, como eu já citei, açaí com cacau. Temos também em Rondônia, a produção de café dentro do sistema agroflorestal. São várias combinações que a gente pode explorar mais e capacitar os produtores rurais, no sentido de produzir e preservar ao mesmo tempo. Hoje, a Embrapa já evoluiu bastante na área de geotecnologias, existe a biotecnologia, automação, agricultura de precisão, a evolução das ciências agrárias e como a gente trabalha nessa convergência hoje para agregar valor e aumentar a produção e a produtividade de maneira mais sustentável.

Com Informações de O LIberal

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