(FOLHAPRESS) – “Não existe local pior para operar do que os complexos do Alemão e da Penha, talvez o local mais hostil para se operar no Brasil”. A fala é do delegado André Neves, diretor das delegacias especializadas, em depoimento à Promotoria que apura a operação ocorrida há um mês, que deixou 122 pessoas mortas. Dessas, cinco eram policiais. Outros 14 foram baleados.
Ainda nas palavras do investigador, os dois complexos, localizados na zona norte do Rio de Janeiro, são o “coração do Comando Vermelho”. Situação muito diferente daquela de 15 anos atrás, quando, em novembro de 2010, as polícias e as Forças Armadas entraram nos conglomerados de favelas sem grandes dificuldades e os criminosos fugiram pela mata ou se entregaram.
De acordo com especialistas, não há uma resposta simples para explicar por que as duas regiões interligadas pela serra da Misericórdia se tornaram um terreno tão difícil de operar, a ponto de uma ação se estender por 17 horas de tiroteios ininterruptos, como ocorreu no último 28 de outubro na operação Contenção.
A ocupação do Alemão, em 2010, é um ponto de partida para essa explicação, já que marcou também o símbolo do principal projeto político da época: as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O projeto ruiu, envolvido por críticas de que se transformou em plataforma política, careceu de programas sociais e se mostrou economicamente insustentável.
“O governo do estado à época exigiu uma superextensão do programa, além da capacidade efetiva que a Polícia Militar poderia implantar, para fins político-eleitorais. Ou seja, obrigou a polícia a dar um passo maior do que as pernas”, aponta o analista de segurança Alessandro Visacro.
Um dos efeitos das UPPs foi a migração de membros desses grupos armados para regiões que, até então, não tinham nem sequer fuzis, como o interior do estado e a região dos Lagos. Ao mesmo tempo, nessas localidades, a facção passou a adotar práticas semelhantes às de milícias na exploração do território.
“A realidade atual é que ambos os grupos buscam fomentar ainda mais a dominação territorial para exercer ali as mesmas práticas e, cada um a seu modo, angariar a maior quantidade de lucro possível”, afirma o promotor Fabio Gouvêa.
Segundo ele, é possível também observar um “projeto expansionista” da principal facção de tráfico de drogas do Rio de Janeiro para outras localidades do Brasil.
Fortalecido economicamente, o Comando Vermelho comprou mais armas, algumas do mesmo modelo das usadas pelo Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais): o AR-10, o fuzil mais moderno das forças, utilizado somente por atiradores de elite.
Segundo relatório de inteligência da Polícia Civil, estimativas de 2023 indicavam que o CV possuía, nesses dois complexos, 926 fuzis e 1.236 pistolas. Ainda de acordo com a corporação, as duas comunidades seriam centros de comando, tomada de decisão e treinamento tático.
Sobre o controle do território, em 2017, quando as UPPs passaram a ser subordinadas aos batalhões, um relatório da Polícia Militar apontava que o patrulhamento nas ruas do Alemão e da Penha se limitava a cerca de 15% desses regiões. O restante era área vermelha, indicando alto potencial de confrontos.
Em 2019, com o surgimento da ADPF 635, que estabeleceu diretrizes para reduzir a letalidade policial nas comunidades, o governo estadual passou a atribuir o fortalecimento do tráfico à medida imposta pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Com a exigência de excepcionalidade, menos operações foram realizadas, por exemplo. Mesmo assim, segundo dados da Promotoria, de junho de 2020 a janeiro deste ano, as polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro comunicaram a realização de cerca de 4.600 operações em comunidades, uma média de três por dia.
Para Visacro, foi no período da pandemia, aliado à ADPF, que o tráfico fortaleceu as barricadas. De carros, pneus e lixo, passaram a usar grandes vigas, algumas eletrificadas.
“A despeito de algum benefício que ela [ADPF] possa ter trazido, o fato é que contribuiu para a consolidação do controle territorial dos grupos armados dentro de seus enclaves”, analisa.
Outro aspecto, citado por uma policial civil, é cultural. O Comando Vermelho tem a crueldade como régua, segundo um investigador que apura grupos armados. Traficantes que se recusam a atirar em policiais são mortos, ele afirma.
Edgar Alves, o Doca, líder da Penha aos 55 anos, é visto como exemplo. Em sua única prisão, em 2007, resistiu a horas de tiroteios e foi preso só quando sua munição terminou. Já Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, 49, líder do Alemão, fugiu em 2010, assim como na operação ocorrida há um mês. Eles não possuem defesa.
Doca e Pezão são ligados ao complexo desde novos e lá fortaleceram a facção, com bailes funks, grafites e lançamento de tendências entre os jovens -a mais recente é o tingimento do cabelo de vermelho.
Segundo a polícia, os dois foram protegidos pelos soldados do tráfico que acabaram mortos. Em 2010, a maioria desses soldados eram crianças e alguns nem tinham nascido.
“O confronto com a polícia é um mecanismo de promoção de hierarquia dessas facções criminosas. O mérito desse criminoso é o confronto”, afirma Visacro.
O governo Cláudio Castro (OL) anunciou, em uma de suas frentes, o programa Barricada Zero. O programa prevê a retirada de barricadas e a preparação das comunidades para um plano de retomada de território, que será entregue até o fim do ano.
Fonte: Notícias ao Minuto







