Há 11 anos me dedico à economia e, durante esse tempo, percebi que sou uma estatística. Cada vez que tomo uma decisão importante na vida, vejo que ela é a “escolha do momento” para todo mundo naquele ano.
Comecei a universidade em 2009, na época das taxas de matrícula mais altas de todos os tempos. Depois da formatura me mudei para uma grande cidade costeira, e uma grande multidão de pessoas também fez o mesmo: estávamos na era da urbanização dos millennials. Quando morava em um cubículo do tamanho de um closet para poder pagar meu empréstimo estudantil (“a pintura amarela torna tudo alegre!”, prometia a Craigslist, rede de anúncios on-line), esse tipo de passivo financeiro tinha acabado de ultrapassar o financiamento de veículos e o cartão de crédito, tornando-se a segunda maior fonte de endividamento nos Estados Unidos, ficando atrás só dos empréstimos para habitação.
Meu parceiro e eu compramos uma casa em 2021, assim como (aparentemente e realmente) grande parte do restante do país. Casamos em 2022, o ano em que muitos fizeram o mesmo. E a lista continua. Não sou só alguém seguindo a multidão. Tenho 32 anos, prestes a completar 33 em algumas semanas. É isso que sou: minha idade. E somos muitos.
Se a demografia é destino, quem nasceu em 1990 e 1991 estava destinado a competir por habitação, emprego e outros recursos. Os que vão completar 33 e 34 anos em 2024 formam o ápice da população americana.
Representando grande parte da maior geração, esse grupo etário hiperespecífico – nos chamem como quiserem, mas gosto de “millennials do auge” – se movimentou pela economia como uma pessoa que se espreme em um suéter muito pequeno. Em cada etapa da vida, fomos sobrecarregados por um sistema que é, frequentemente, reduzido demais para nos acomodar, deixando-nos, nesse percurso, um pouco flácidos e deformados. Minha geração tem um poder econômico desproporcional, mas, em alguns momentos, isso contribuiu para tornar nossa vida mais difícil.
Em outras palavras, quando os millennials reclamam que recebem a culpa por tudo, pode ser que aqueles que os acusam tenham razão.
Apresento a vocês os ‘millennials do auge’
A influência dos nascidos em 1990 e 1991 na economia de consumo tem sido muitas vezes evidente. Embora seja difícil determinar com precisão os hábitos de consumo de pessoas nascidas em dois anos específicos, esse grupo constitui uma parte considerável – cerca de 13% – da geração que os profissionais de marketing tentam atrair há mais de uma década.
Os padrões e os comportamentos dos millennials relacionados às férias e à gastronomia levaram as empresas de pesquisa a enfatizar, incessantemente, o aumento da “economia da experiência”. Fomos acusados de acabar com as casas enormes e ostensivas e com os códigos de vestimenta formal, mas contribuímos para impulsionar o aumento das casas pequenas e da roupa esportiva e confortável.
“São muitos. Seus pais podem ter dito que são muito especiais, mas existe uma quantidade enorme de pessoas muito especiais. Criam muita pressão. Muita gente também quer tudo que eles compram”, comentou Neil Howe, que cunhou o termo “millennial”.
Essa influência econômica vai muito além do consumo cotidiano. Quando os millennials do auge chegaram à universidade, em 2009, o aumento nas matrículas foi tão significativo que as faculdades comunitárias, que se orgulhavam de aceitar todos os alunos, começaram a rejeitar candidatos.
Quando esse grupo começou a se formar e procurar emprego, a população de áreas metropolitanas, como Nova York, San Antonio e San Francisco – principalmente na região da baía, que inclui essa última cidade –, atingiu novos recordes, causando uma competição acirrada por uma oferta limitada de apartamentos. “Esse boom de reurbanização ocorreu quando esses millennials atingiram a maioridade, conseguiram o primeiro emprego, procuraram moradia e pessoas para dividir apartamento”, explicou Igor Popov, economista-chefe da Apartment List, plataforma on-line para locação de imóveis.
Agora, as pessoas que completarão 33 e 34 anos este ano estão em outro momento importante de sua vida econômica: deixando a cidade, formando família e comprando casa. Só que, apesar de algumas dessas mudanças terem sido aceleradas pela pandemia, a demografia por si só ajuda a explicar por que a economia atual está se comportando de maneira muitas vezes surpreendente.
Mudança habitacional
Em 2017, um magnata do setor imobiliário originou um meme ao sugerir que os millennials não compravam casas porque estavam gastando seu dinheiro com torradas de abacate e café caro. A indignação se espalhou, e o “The New York Times” verificou os fatos.
Mas, como muitas declarações que tocam a sensibilidade da sociedade, o comentário sobre as torradas tinha fundamento. As pessoas realmente se questionavam por que os millennials não compravam mais imóveis.
Parte da resposta era, sem dúvida, que a geração tinha enfrentado uma entrada difícil no mercado de trabalho depois da pior recessão desde a Grande Depressão. Mas outra explicação era mais simples: embora seja frequentemente tratado como um grupo monolítico, a maior parte dessa geração – millennials do auge – ainda estava na casa 20 anos em 2016 e 2017, ou seja, era relativamente jovem para comprar uma casa. A população atual de 30 a 34 anos supera em cerca de 700 mil pessoas o grupo de 35 a 39 anos. Este último, atualmente, está cada vez mais preparado para comprar.
Mas a alta demanda demográfica colide com uma oferta habitacional limitada, depois dos anos de escassez na construção civil que se seguiram à recessão de 2009. Isso contribuiu para elevar os preços a níveis recordes, mesmo enquanto o Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos tenta conter a economia por meio do aumento dos juros. O alto custo e as taxas de hipoteca elevadas tornaram o mercado dolorosamente inacessível, mesmo para a primeira casa que muitos millennials do auge adorariam comprar.
Ecos universitários
A competição por recursos entre os jovens de 32 e 33 anos não é marcada apenas pelo atual setor imobiliário frenético. Também não vai ser a primeira vez que ajudarão a remodelar um mercado, levando a consequências duradouras.
Essa subgeração enfrentou sua primeira batalha econômica em 2008 e 2009, quando seus membros se formaram no ensino médio e, em muitos casos, tentaram frequentar a universidade. O grupo, por si só, já representava um ingresso universitário significativo, mas, em razão da Grande Recessão, pessoas com mais idade e com pouca oportunidade de emprego também inundaram as salas de aula das faculdades para enfrentar o período turbulento. As taxas de matrícula dispararam. A população universitária atingiu seu pico em 2010, um ano depois que me matriculei. “O grande desafio para os estudantes foi conseguir ter acesso às aulas e aos recursos”, disse Robert Kelchen, professor da Universidade do Tennessee que estuda o ensino superior.
Durante a recessão, a mensalidade subiu drasticamente no ensino público, à medida que a ajuda estatal diminuiu – embora também tenha sofrido um aumento constante nas universidades privadas. A relação entre a dívida estudantil e os salários iniciais piorou.
Mas a demanda por vagas universitárias começou a cair em razão das tendências demográficas somadas a uma mudança cultural que rejeita o ensino superior. Faculdades menos seletivas, que no fim da década de 2000 não conseguiam aumentar o número de vagas para acompanhar a alta demanda, estão fechando ou se fundindo.
Não se trata só de faculdades. Outra instituição antiga pode ser afetada à medida que os millennials do auge envelhecem: os locais destinados a cerimônias de casamento. De acordo com Shane McMurray, da Wedding Report, empresa de pesquisa que fornece informações e estatísticas sobre a indústria de casamento nos Estados Unidos, mesmo num momento em que o número de matrimônios em geral não parou de cair, a grande quantidade de membros da geração dos millennials conseguiu manter a demanda no setor.
Mas o boom dos casamentos que houve em 2022 já está em declínio, e é provável que recue ainda mais à medida que meus colegas de geração ultrapassarem a idade de se casar. McMurray acredita que “o nicho se manterá estável por algum tempo, mas essa indústria vai acabar sendo significativamente afetada”.
O precedente do baby boom
As pessoas que têm 33 anos também podem afetar o mercado de trabalho. Durante grande parte da década de 2010, os empregadores tinham tantos candidatos iniciantes que nem sabiam o que fazer com eles. Quando a geração dos millennials do auge se formou no ensino médio, em 2009, e em um período próximo a essa data, constituiu uma avalanche de trabalhadores potenciais que chegaram a um mercado de trabalho abalado pela recessão.
Naquele ano, a taxa de desemprego entre os jovens de 18 e 19 anos estava perto do marco recorde de 16 por cento. O mercado de trabalho continuou fraco até mesmo quando aqueles que foram para a universidade começaram a se formar e, durante anos, os empresários puderam escolher quem contratar. Lembram-se do boom dos baristas com diploma universitário? Mas agora a maré está mudando.
A pesquisa econômica sugeriu que a geração baby boom (que incluiu um pico na taxa de natalidade no início da década de 1960) enfrentou uma entrada difícil no mercado de trabalho, já que seus membros competiam por uma oferta limitada de emprego. A geração X, por ser menor, teve resultados melhores. “Parecia existir uma vantagem real no mercado de trabalho para ela. Isso também pode vir a se aplicar à geração Z”, afirmou Ronald Lee, demógrafo da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
De fato, aqueles nascidos nos últimos anos do baby boom oferecem um modelo para a maneira como uma grande subgeração se movimenta pela economia. Foram o maior grupo populacional da história até a chegada dos millennials, e eram muito mais numerosos em comparação com os que os precederam, conhecidos como a Geração Silenciosa.
Essa discrepância indica que a economia teve de se expandir ainda mais rapidamente para acomodar os boomers que estavam atingindo a idade adulta no início da década de 1980. Eles também enfrentaram uma economia desafiadora: a inflação disparou, levando o Sistema de Reserva Federal a aumentar as taxas de juros para níveis de dois dígitos e forçando a economia a entrar em uma recessão severa, justamente quando os nascidos nos últimos anos do baby boom estavam procurando trabalho. “O mercado estava saturado”, observou Richard Easterlin, economista da Universidade do Sul da Califórnia, responsável por grande parte das pesquisas sobre como o tamanho das gerações afeta os resultados trabalhistas.
Forçados a competir em um mercado de trabalho e em um setor imobiliário sobrecarregados, alguns dos que nasceram no auge do baby boom ficaram com cicatrizes econômicas permanentes em comparação com o restante de sua geração: estudos sugerem que eles correm um risco maior de ficar sem lar.
Será, portanto, que os millennials do auge também estão destinados a passar por isso?
Uma esperança
Easterlin acredita que é provável que meus colegas estejam em uma situação melhor. “O importante para os resultados é a mudança no tamanho da geração, e não só seu tamanho”, explicou ele.
Enquanto há aproximadamente um boomer e meio para cada pessoa que pertenceu à geração anterior, essa proporção é de 1,1 para os millennials. É como se os boomers fossem um gigante tentando caber em um suéter extrapequeno, e os millennials em um grande.
Não é que os millennials tenham tido uma jornada indolor. Dennis Culhane, pesquisador social da Universidade da Pensilvânia, que acompanhou de perto a situação dos boomers em situação de rua, apontou que, por exemplo, depois da recessão de 2008, o número de millennials que vivem nessa condição em Nova York aumentou. Mas, como a competição não é tão acirrada quanto no caso dos boomers mais jovens, as dificuldades iniciais devem desaparecer com o tempo.
E quanto às crianças?
Mas os indícios da luta permanecem latentes. Como parte de uma tendência de longo prazo, a taxa de emprego para homens com 30 e poucos anos é muito mais baixa em comparação com as gerações anteriores. A inadimplência de dívidas de financiamento de automóvel e cartão de crédito está aumentando acentuadamente entre as pessoas de 30 a 39 anos, à medida que os pagamentos de empréstimos estudantis são retomados depois da pausa em razão da pandemia de covid, colocando a geração sob pressão financeira.
Em comparação com períodos anteriores da história, essa faixa etária também está tendo menos filhos. Embora isso possa ser atribuído a diversos fatores sociais, a preocupação financeira é citada como uma das principais razões. Esse declínio na taxa de natalidade pode causar grandes mudanças e desafios econômicos no futuro, sobretudo por volta de 2055, quando as pessoas da minha idade estiverem prestes a se aposentar. Se muitos dos jovens que atualmente têm 32 anos encerrarem sua carreira aos 65 anos, estarão retirando dinheiro de um sistema de aposentadoria que, provavelmente, terá muito menos contribuintes ativos para sustentá-lo – presumindo que as atuais tendências demográficas não mudem.
Os millennials do auge também vão ocupar casas de repouso com menos enfermeiros jovens para atendê-los, comerão em restaurantes com menos garçons e cozinheiros disponíveis e, no geral, vão sobrecarregar uma economia com muito menos jovens para sustentá-los. Isso vai ser um problema não só para os que nasceram no início da década de 1990, mas para todas as gerações seguintes.
c. 2024 The New York Times Company
Informações R7