Patinetes, redes sociais e a estética da transgressão

Patinetes, redes sociais e a estética da transgressão

A chegada de um novo serviço de mobilidade urbana a uma cidade costuma provocar adaptações culturais, ajustes de comportamento e, inevitavelmente, testes dos limites. No entanto, em tempos de hiperconexão, essa fase de adaptação não se limita mais à esfera privada ou ao espaço público físico: ela se transfere para o palco global e permanente das redes sociais, onde cada gesto pode se tornar conteúdo e cada ato pode ser medido em curtidas, comentários e compartilhamentos.

O caso recente da estreia do serviço de patinetes elétricos em Belém é ilustrativo dessa lógica. Em poucos dias, não apenas se multiplicaram vídeos didáticos, criados por usuários responsáveis e influenciadores conscientes para explicar o funcionamento e as regras, como também houve uma explosão de registros de comportamentos abusivos e perigosos. Viu-se de tudo: equipamentos projetados para uma única pessoa transportando cinco, patinetes lançados em canais, cargas inusitadas como botijões de gás ou madeiras. Essas cenas, mais do que meros “deslizes”, compõem uma estética da transgressão pensada para a câmera e para o algoritmo.

Do ponto de vista sociológico, vivemos um fenômeno que Guy Debord já descrevia, na década de 1960, como a “sociedade do espetáculo”, no qual a experiência real é frequentemente subordinada à sua representação. Hoje, o espetáculo se converteu em “conteúdo” e o prestígio social não depende tanto da participação em um evento, mas da capacidade de transformá-lo em algo compartilhável e viralizável. Nessa lógica, a violação das normas deixa de ser apenas uma infração; torna-se um recurso narrativo para ganhar visibilidade.

As redes sociais operam segundo um sistema de recompensas imediatas: o número de visualizações, curtidas e comentários atua como capital simbólico e, muitas vezes, como moeda de status. A transgressão, que antes poderia ser reprimida pela desaprovação moral ou pelo constrangimento social, agora pode ser recompensada com engajamento, impulsionando carreiras digitais ou satisfazendo um desejo individual de reconhecimento.

O que se observa, portanto, é a conversão do espaço público em palco e do bem coletivo em adereço cênico. O patinete, que deveria ser ferramenta de mobilidade sustentável, torna-se objeto performático para encenar ousadia ou humor. Esse deslocamento de função, impulsionado pelo “capital de atenção”, é um desafio para políticas públicas, que precisam não apenas estabelecer regras e fiscalizar, mas também compreender a cultura digital que molda o comportamento urbano.

Ao mesmo tempo, o episódio revela uma clivagem importante: enquanto parte da população explora o serviço de maneira consciente e informativa, outra parcela enxerga nele apenas mais uma oportunidade para produzir “conteúdo” que dialogue com a lógica de exagero e choque que domina plataformas digitais. Essa dualidade não é nova, mas ganha força à medida que a distinção entre vida real e vida online se torna cada vez mais tênue.

No fim, a questão que se impõe é: até que ponto estamos dispostos a sacrificar o uso responsável de um bem coletivo em troca de alguns segundos de fama efêmera? A resposta, se vier, talvez não esteja apenas nas regras de trânsito ou na fiscalização, mas na compreensão de que, em uma sociedade mediada por telas, o comportamento público é também uma declaração de identidade — e, no caso de muitos, um lance calculado na disputa por atenção.

Com Informações: Para Web News

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