Suposta seita religiosa: família ainda busca resposta dois meses após morte de Flávia Cunha em Belém

Suposta seita religiosa: família ainda busca resposta dois meses após morte de Flávia Cunha em Belém

Dois meses após a morte de Flávia Cunha Costa, que completaria 43 anos e faleceu após ser deixada em estado grave de desnutrição e maus-tratos no Pronto Socorro do Guamá, em Belém, a família dela ainda tem muitas perguntas sem respostas e pede Justiça. Flávia, que faleceu dia 19 de junho, chegou ao PSM no dia anterior, sem documentos e desacompanhada. O corpo dele foi encaminhado ao Instituto Médico Legal (IML) como indigente, já que sua identidade não havia sido confirmada.

A família registrou ocorrência na Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), da Polícia Civil. Flávia era gestora de projetos científicos. Estão presos por suspeita por envolvimento na morte de Flávia o casal Marcelle Débora Ferreira de Araújo, 51 anos, e o companheiro dela, Ronysson dos Santos Alcântara, 50 anos.

A madrinha de Flávia, a advogada e terapeuta Ayurveda Maria Ioná Sacramento, contou que a afilhada conheceu Marcelle (também identificada como Marleci Ferreira de Araújo) por volta de 2011, quando a mulher ainda atuava como depiladora em um salão frequentado por ela. Em algum momento, que a família não sabe exatamente quando, Marcelle se apresentou como líder espiritual após deixar a igreja que frequentava, dizendo que fundaria sua própria igreja.

Flávia tinha bipolaridade, e o diagnóstico médico indica acompanhamento com psiquiatra e medicação. Mas a pastora a convenceu de que não havia necessidade do tratamento convencional. Flávia podia ficar boa de saúde através de um “tratamento espiritual”. Em fevereiro de 2014, Flávia foi batizada pela suposta pastora e passou a se chamar “Flávia Vitória”. E começou esse tratamento espiritual. Ela, então, e rompeu relações com a família, amigos e até com seus animais de estimação. Segundo Maria Ioná, a mudança foi radical: “Tudo que existiu antes dessa data é como se tivesse sido apagado da mente da Flávia”.

No início, Flávia mantinha alguma liberdade para sair e trabalhar. Com o tempo, passou a atuar apenas remotamente e ficou cada vez mais reclusa. Em 2024, ela deixou de fazer trabalhos presenciais e se limitou apenas a fazer trabalho remoto. “Ela foi definhando ao longo do tempo, até chegar a um estado de total desnutrição”, relata a madrinha.

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Flávia Cunha Costa, de 43 anos, foi abandonada no Pronto Socorro do Guamá, no dia 18 de junho, sem documentos e em estado grave de desnutrição. Ela morreu no dia seguinte.


A imagem em destaque mostra Marcelle Débora Ferreira Araújo (à esquerda) e o companheira dela, Ronyson dos Santos Alcântara (à direita), sendo conduzido por policiais. (Foto: reprodução/ redes sociais/ Wagner Santana/ O Liberal))

Alimentação controlada

Flávia morava em um cubículo no bairro do Guamá, sem água potável, geladeira ou fogão. A alimentação era responsabilidade exclusiva do casal suspeito. A médica que atendeu Flávia no pronto socorro constatou desnutrição proteica extrema. A família aguarda o laudo oficial do IML para confirmar se ela recebia ou não algum tipo de substância. Segundo Maria Ioná, Flávia teve bens e recursos desviados. Documentos indicam doação de um carro e de computadores para a igreja, além do controle de sua conta bancária e cartões pela suposta pastora.

Flávia era dona da empresa Adeccua, reconhecida no mercado por prestar serviços para universidades, cientistas e ministrar aulas de inglês e espanhol. Apesar da renda considerada alta, vivia em condições precárias. Ex-frequentadores contaram que, assim como Flávia, outras pessoas com fragilidades emocionais teriam sido atraídas pela promessa de cura e salvação espiritual. Um desses casos é o de uma sobrinha da suspeita, que teria vendido casa, carros e empresa para viver na igreja. Alguns deixaram o local fugindo, outros não quiseram expor suas histórias por vergonha. Flávia foi a pessoa que permaneceu por mais tempo no grupo.

Situação na Justiça

O inquérito policial foi concluído e remetido à Justiça e o caso aguarda denúncia do Ministério Público. O processo corre em segredo de Justiça. Há pedidos de quebra de sigilos bancário e telefônico, além da pendência do laudo do IML. Maria Ioná alerta para sinais que podem indicar manipulação por grupos desse tipo: mudanças bruscas de comportamento, isolamento social e discursos que demonizam familiares.

“Percebemos muito cedo que havia algo errado. A Flávia deixou de ser a Flávia. Passou a acreditar que os parentes eram ‘endemoniados’ e que o contato com eles prejudicava sua purificação e cura”, afirma. Flávia Cunha Costa era gestora de projetos científicos, com atuação na organização de congressos e workshops voltados para pesquisadores. Trabalhou com universidades, como a Universidade de Santa Catarina, e era reconhecida por sua alta qualificação e produtividade.

Segundo a madrinha, Maria Ioná Sarmento, Flávia também tinha diagnóstico de bipolaridade e, em 2014, aceitou um “tratamento espiritual” conduzido por Marcelle Débora Ferreira Araújo. Apesar de, no inquérito policial daquele ano, Marcelle afirmar que não era pastora, ela batizou Flávia e iniciou o acompanhamento espiritual. A partir desse batismo, a vida anterior de Flávia deixou de existir: ela rompeu relações com a família, amigos e até com seus animais de estimação – um cachorro e um gato. Até então, mantinha vínculo próximo com a madrinha, a quem presenteava em viagens, sempre acompanhando com bilhetes carinhosos.

Tentativas frustradas de resgate

A família tentou romper o vínculo de Flávia com os líderes religiosos. Em 2014, conseguiu interná-la por quase um mês, quando recebeu diagnóstico de bipolaridade e recomendação de tratamento psiquiátrico contínuo, com uso regular de medicação – prescrição que não foi seguida. Ao longo dos anos, as tentativas de reaproximação foram em vão. “Nós éramos vistos como intrusos. Coube a nós acompanhar de longe. Eu descobria mudanças de trabalho e tentava me aproximar, até usando contatos do meu marido, que é cientista, para saber como ela estava”, disse a madrinha.

O último trabalho formal de Flávia foi como assessora de comunicação no Instituto Peabiru. Paralelamente, mantinha a empresa Adeccua, altamente lucrativa, com contratos de prestação de serviços, inclusive com o próprio Instituto Peabiru.

O Ministério Público do Pará (MPPA) denunciou Marcelle Débora Ferreira de Araújo e Ronyson dos Santos Alcântara por maus-tratos que levaram à morte de Flávia Cunha Costa, em Belém. A denúncia foi protocolada pela promotora Carmen Burle da Mota de Freitas, da 1ª Promotoria de Justiça Criminal de Belém. Segundo o MP, a vítima vivia sob a guarda do casal, no bairro do Guamá, em condições precárias, sem acesso regular a alimentação e água potável. Flávia, que sofria de transtorno bipolar, teria sido manipulada emocionalmente pelos denunciados, que se apresentavam como pastores de uma igreja fundada em sua residência.

O caso chegou à Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) após uma denúncia anônima registrada pelo “Disque 181”, relatando que a vítima era obrigada a realizar trabalhos domésticos e estava desnutrida há cerca de um ano.

Durante diligência policial, Flávia foi encontrada extremamente magra e vivendo em um imóvel anexo sem condições mínimas de habitação, como banheiro funcional e água potável. Testemunhas afirmaram que a vítima era mantida isolada, apenas com acesso limitado à igreja e que seus documentos e cartões bancários estavam sob posse dos denunciados.

O casal negou as acusações. A promotoria solicita que ambos sejam citados para responder à denúncia e que seja realizada audiência de instrução e julgamento. Além disso, requereu a expedição de ofício para a perícia sobre a morte da vítima. O caso evidencia maus-tratos, violência psicológica contra mulher e cárcere privado, conforme apontado pelo MP, com base em depoimentos de testemunhas, diligências policiais e laudo médico.

A Justiça do Pará decidiu manter a prisão preventiva de Marleci Ferreira de Araújo e Ronyson dos Santos Alcântara. A decisão foi publicada no 1º de agosto. Segundo a juíza Blenda Nery Rigon Cardoso, da 2ª Vara Criminal de Belém, os réus permanecem custodiados porque há risco à ordem pública, considerando a gravidade dos crimes e o modo como foram praticados. A magistrada destacou que os acusados não apresentaram elementos novos que justificassem a revogação da prisão.

A Polícia Civil informa que o casal continua preso preventivamente pelos crimes de violência psicológica e maus-tratos com resultado morte, investigados pela Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). O inquérito foi finalizado e remetido à Justiça. Foi instaurado outro inquérito na DEAM para investigar o estelionato e o desvio de patrimônio da vítima.

 

Com Informações: O Liberal

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