Há cerca de 3,8 bilhões de anos, dois cânions massivos provavelmente se formaram na Lua em um período inferior a 10 minutos, segundo nova pesquisa.
As extraordinárias formações, cada uma comparável em tamanho ao Grand Canyon da Terra, estão escondidas no lado oculto da Lua — o lado que sempre está voltado para longe da Terra — próximo ao polo sul lunar, onde a missão Artemis III da Nasa pretende pousar humanos no final de 2026.
Os cânions lunares são ambos parte da maior bacia de impacto Schrödinger, onde um objeto ainda não identificado colidiu com a Lua bilhões de anos atrás. O impacto colossal provavelmente também levou à criação dos cânions, de acordo com um novo estudo publicado terça-feira na revista Nature Communications.
A energia liberada que criou os cânions foi 1.200 a 2.200 vezes mais poderosa que a energia da explosão nuclear outrora planejada para escavar um segundo Canal do Panamá, estimam os autores do estudo.
Futuras missões poderiam visitar a bacia e coletar amostras de rochas para ajudar os cientistas a compreender melhor as origens obscuras e a história da Lua. Estudar a Lua também poderia revelar como eram as condições no início do sistema solar, quando asteroides e outros detritos rochosos colidiam com planetas e luas.
“O registro do bombardeio inicial do Sistema Solar foi apagado da Terra”, disse o autor principal do estudo, David Kring, cientista principal do Instituto Lunar e Planetário, um instituto da Associação de Pesquisa Espacial das Universidades, em um e-mail. “Foi destruído pela erosão, tectônica de placas e outros processos geológicos. Se quisermos entender como os eventos de impacto afetaram a Terra primitiva, precisamos coletar amostras de lugares na Lua como a bacia Schrödinger e seus cânions.”
Juntando as peças de um impacto antigo
Cânions e ravinas criados por faixas de detritos rochosos irradiam da bacia Schrödinger.
Os geólogos lunares sempre souberam que os dois cânions apresentados no novo estudo, chamados Vallis Schrödinger e Vallis Planck, eram particularmente grandes. A equipe de pesquisa por trás do último relatório, no entanto, conseguiu analisar imagens das enormes características geológicas usando fotos e dados de elevação capturados pelo Lunar Reconnaissance Orbiter da NASA, que orbita a Lua desde 2009. Os dados permitiram que a equipe construísse mapas da região, incluindo a bacia e seus arredores.
As medições mostraram que esses dois cânions eram similares em largura e comprimento ao Grand Canyon. O Vallis Schrödinger tem 270 quilômetros de comprimento e 2,7 quilômetros de profundidade, e o Vallis Planck tem 280 quilômetros de comprimento e 3,5 quilômetros de profundidade.
“Treinei estudantes e astronautas nas proximidades do Grand Canyon, e fiz várias viagens de rio através do Grand Canyon, então percebi que o Grand Canyon era uma maneira importante de ajudar as pessoas a entenderem a escala dramática da paisagem lunar”, disse Kring.
Os dados da nave espacial também ajudaram os pesquisadores a determinar as distâncias ao longo de cada cânion a partir do ponto de impacto. A equipe usou as distâncias em cálculos de formação de crateras para descobrir as velocidades das rochas que produziram os cânions e os tamanhos do material nesses fluxos rochosos, disse Kring.
Os cálculos permitiram que os pesquisadores montassem o que acreditam ter acontecido há 3,8 bilhões de anos, durante um período em que asteroides e cometas bombardeavam a Terra e a Lua.
“Há quase quatro bilhões de anos, um asteroide ou cometa sobrevoou o polo sul lunar, passou pelas montanhas Malapert e Mouton, e atingiu a superfície lunar”, disse Kring. “O impacto ejetou fluxos de rocha de alta energia que esculpiram dois cânions… em menos de 10 minutos”.
Para comparação, levou de 5 a 6 milhões de anos para a água erodir a paisagem do Arizona para criar o Grand Canyon.
O objeto celestial que colidiu com a Lua provavelmente atingiu com uma velocidade superior a 55.000 quilômetros por hora. O impacto criou a bacia de Schrödinger, que tem quase 320 quilômetros de largura, enquanto também propeliu detritos que esculpiram profundos sulcos ao redor da bacia.
Os detritos ejetados que criaram os cânions provavelmente sobrevoaram a superfície lunar e depois colidiram com ela a velocidades de aproximadamente 3.600 quilômetros por hora. Essas crateras de impacto secundárias formaram os cânions, segundo o estudo.
Investigando a história da Lua
A energia dos impactos que criaram os cânions foi de uma escala gigantesca. Os autores do estudo estimam que foi mais de 700 vezes maior que o rendimento total dos testes de explosão nuclear realizados pelos Estados Unidos, antiga União Soviética e China. A energia das explosões também foi cerca de 130 vezes mais destrutiva que a energia do arsenal mundial de armas nucleares, de acordo com o estudo.
Enquanto muitas crateras de impacto na Terra desapareceram devido à erosão e outros fatores naturais, as crateras lunares podem ajudar os pesquisadores a entender melhor o que aconteceu na Terra bilhões de anos atrás.
“A cratera Schrödinger é semelhante em muitos aspectos à cratera Chicxulub na Terra, que causou a extinção dos dinossauros”, disse o coautor do estudo Gareth Collins, professor de ciência planetária no Imperial College London, em um comunicado. “Ao mostrar como os cânions profundos de Schrödinger foram esculpidos, este trabalho ajudou a iluminar quão energéticos podem ser os ejecta desses impactos.”
Noah Petro, cientista da Nasa para o Lunar Reconnaissance Orbiter e Artemis III, que visa pousar humanos na Lua pela primeira vez desde 1972, acredita que o artigo apresenta uma boa hipótese sobre como os cânions foram formados. Petro não participou do estudo.
“O que é apresentado no artigo é uma hipótese relacionada à formação de crateras secundárias e essas fendas que se irradiam longe delas”, disse Petro.
“Acho que o interessante do artigo é essa conexão de volta a um único ponto, e então a hipótese do que isso significa para a formação e a geometria da formação da bacia. Eles estão usando observações modernas de uma nave espacial que está orbitando a Lua há mais de 15 anos para reconstruir um evento que aconteceu há 3,8 bilhões de anos. Isso é sempre empolgante porque estamos desvendando as camadas do tempo que estão tão bem preservadas para nós na Lua.”
Exploração futura da Lua
O polo sul da Lua está repleto de mistérios geológicos que os cientistas estão ansiosos para explorar, disse Petro.
A bacia de impacto Schrödinger, uma das crateras de impacto grandes mais jovens na Lua, está a algumas centenas de quilômetros da bacia de impacto mais antiga e maior da Lua, afirmou.
Schrödinger está localizada nos limites externos da bacia do Polo Sul-Aitken, que futuras missões tripuladas Artemis planejam explorar.
Estima-se que a bacia do Polo Sul-Aitken tenha cerca de 4,3 bilhões de anos, mas apenas amostras de rochas poderão provar se esse é o caso, disse Pedro.
“Os primeiros astronautas a caminhar no polo sul potencialmente estarão caminhando sobre as rochas mais antigas que os humanos já exploraram”, declarou.
O novo estudo mostra que os detritos lunares escavados pelos impactos que criaram a bacia Schrödinger e seus cânions se irradiaram assimetricamente, distribuindo-se para longe do polo sul lunar, em vez de enterrar a região. Isso significa que quaisquer rochas coletadas pelos astronautas Artemis fornecerão vislumbres da história lunar mais antiga, disse Kring.
Kring e sua equipe planejam continuar estudando locais que potencialmente poderão ser explorados por futuras missões.
O módulo lunar da Team Draper tentará pousar na Bacia Schrödinger em 2026 sob a iniciativa Commercial Lunar Payload Services da Nasa, que faz parte do programa Artemis. A missão robótica entregará sismômetros para estudar a atividade tectônica no interior lunar, entre outros objetivos científicos.
“O lado oculto da Lua é o reino do explorador”, disse Petro. “Seja uma missão robótica ou uma missão tripulada que vai à Lua, a bacia Schrödinger nunca foi vista ou visitada por uma missão” “Estamos profundamente envolvidos na exploração dessas grandes crateras porque elas são únicas. São como gigantescas retroescavadeiras que escavaram a superfície lunar e expuseram material das camadas inferiores, tornando-se alvos muito atraentes”, explica Kring.
Kring vê valor na coleta de amostras da bacia e dos cânions para ajudar a determinar se a idade estimada de ambos está correta, além de estudar o material lunar ancestral que eles ajudaram a trazer à superfície.
“Se um astronauta pudesse coletar amostras das bordas dos cânions, ele coletaria amostras de até 3 quilômetros de profundidade”, disse ele.
E os astronautas poderiam ter vistas incríveis.
“O esplendor dos cânions é tão dramático que, se expostos na Terra, seriam parques nacionais ou internacionais”, afirmou Kring.
Lua pode ter “virado do avesso” durante formação, diz novo estudo
Com Informações: CNN Brasil