Escrito por: Bruna Damascenobruna.damasceno@svm.com.br
Belém tem, por natureza, a vocação de nos envolver em um constante estado de encantamento. Durante os cinco dias em que estive na terra abraçada pela Baía do Guajará, em maio deste ano, a seis meses da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), caminhei entre prédios históricos, por calçadas largas e por portais formados por árvores, no coração de uma metrópole.
Não é minha primeira visita, mas jamais deixo de me encantar com a cordialidade do paraense e seu chiado cantado, nem de me deliciar com o formigamento do jambu se espalhando pela boca. Andei por lá com os lábios tingidos de açaí, mergulhei nas águas doces e percebi o aroma do patchuli (planta aromática) dominando o ar.
Desbravar uma cidade como essa, que desperta todos os sentidos, é uma experiência de beleza singular, impossível de ignorar. Curiosamente, Belém, onde será realizada a COP 30, tem aparecido nos noticiários do Sudeste apenas como uma terra problemática, reduzida ao desafio de sediar um evento dessa magnitude.
O ex-deputado federal e apresentador Ratinho exemplificou bem esse olhar anacrônico ao questionar: “Qual a necessidade de fazermos essa COP30 e gastarmos bilhões? Em Belém do Pará, no lugar onde falta comida para a população, no lugar onde não tem infraestrutura […] que a quatro quadras do centro tem esgoto a céu aberto. Belém não é essa cidade maravilhosa para mostrar pro mundo não, gente. Primeiro, tem que estruturar a cidade, cuidar do povo.”
A declaração foi feita durante uma entrevista em um podcast no último dia 4 de junho, o qual esta coluna opta por não divulgar para não dar visibilidade a uma postura preconceituosa. Falas como essa mostram uma visão limitada sobre a região. Afinal, Norte e Nordeste historicamente não têm sido prioridade para muitos — e justamente por isso é tão simbólico e necessário que a COP 30 aconteça lá.
Além disso, Belém é uma cidade situada em meio ao rico bioma amazônico, localizada na foz do Rio Guamá e próxima à Baía do Guajará, onde se encontra com o rio Acará. Por ser a porta de entrada para a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, tem um papel fundamental para sediar a COP, servindo como um palco vivo para as discussões sobre o equilíbrio climático.
A Amazônia é fundamental na absorção de carbono e na preservação da biodiversidade do planeta, e Belém será a vitrine dessa importância. Eu pude testemunhar isso de perto, e agora o mundo inteiro terá a oportunidade de ver.
Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a Floresta Amazônica abriga um terço das florestas tropicais do mundo e concentra mais da metade da biodiversidade do planeta. No entanto, o desmatamento na região já responde pela emissão de cerca de 200 milhões de toneladas de carbono por ano, o equivalente a 2,2% do total global, contribuindo para o aquecimento do planeta.
Essa riqueza natural atraiu, ao longo da história, diversos exploradores, causando impactos ambientais e sociais profundos. Para se ter uma ideia, até abril deste ano, Belém concentrou 11% do desmatamento registrado, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Já passou da hora de essa riqueza ser preservada no território amazônico e transformada em benefício para a própria região.
Em entrevista a esta coluna, no ano passado, a economista amazonense e professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Michele Lins Aracaty e Silva, explicou o chamado “efeito-açaí”, um exemplo de como é possível gerar desenvolvimento econômico a partir da biodiversidade, sem destruí-la.
Segundo estudo do instituto de pesquisa WRI Brasil, a bioeconomia brasileira já movimenta um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 12 bilhões, número superior ao apontado pelos indicadores oficiais. Com novos investimentos, esse valor pode chegar a pelo menos R$ 38,6 bilhões até 2050.
É preciso cobrar melhorias, sim
Durante minha estada em Belém, deparei-me, também, com inúmeras obras espalhadas pela cidade, fruto dos preparativos para a COP. Pontos turísticos importantes estavam parcialmente interditados e várias vias interrompidas devido às intervenções. Na rota até a paradisíaca Ilha de Cotijuba, vi estradas esburacadas e condutores de motorretes (uma mistura de moto com charrete) esperançosos de que o evento pudesse transformar aquela realidade.
A fome e a pobreza existem em Belém, sim, mas esse é um problema estrutural que aflige o Brasil inteiro. Embora não devamos minimizar esse drama, tampouco podemos reduzir uma terra e seu povo apenas a essas dificuldades. Independentemente de as obras serem concluídas a tempo da COP, Belém é, sem dúvida, uma cidade que deve ser mostrada ao mundo.
O sofrimento de um povo não pode ser uma sentença para sua condição. A COP, pela primeira vez, será feita pelos povos da floresta, ribeirinhos e indígenas. Assim, há de ser sempre um bom lugar.
Obviamente, isso não exclui a necessidade de cobrar a conclusão dessas obras e avaliar seus reais impactos sociais e ambientais para Belém. É inegável haver uma grande demanda por melhor infraestrutura e de avanços nos indicadores econômicos.
Nesse cenário, o jornalismo e a sociedade têm um papel de fiscalizar e exigir essas mudanças, mas também de se despir dos preconceitos.
Fonte: Diário do Nordeste
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